Andar de comboio na Índia é uma experiência sobre a qual podemos escrever à vontade, mas que é como ter filhos, por mais que nos contem tudo, só sabemos como é quando os temos!
Ainda assim, numa tentativa de aproximação ao assunto, vou descrever uma aventura nocturna de 12 horas em sleeper class com A/C o que, como devem imaginar, é de si um oásis no deserto!
Ainda nem embarcamos e a coisa já vai mal! Encontrar a plataforma do nosso comboio pode ser obra desenganada, em muitas, diria que a maior parte das estações ferroviárias toda a informação está em hindi, incluindo os números das plataformas! Como sempre perguntar não serve de grande coisa pois, invariavelmente, os indianos acenam com a cabeça o que nós interpretamos como um sim, mas na verdade não entenderam rigorosamente nada do que perguntámos e simplesmente fazem o que sabem melhor – acenar com a cabeça e sorrir! Se chegarmos ao comboio (certo) e ele ainda não tiver partido então a viagem tem tudo para correr bem, pelo menos o principal está feito e se for o comboio (certo) vamos em direcção ao destino desejado.
Pois bem, de bilhete na mão e bagagem às costas lá vamos em busca do nosso lugar e também aqui é sempre bom começar a rezar, fazer um mantrinha a Ganesha ou a quem nos costuma acudir, para que “por favor, o meu lugar esteja livre”. Lugar marcado para os indianos não tem grande significado e o mais provável é chegarmos ao lugar e encontrarmos a avó, o avô, o filho, a filha, os 3 netos mais o bebé recém-nascido tudo enrolado na mesma manta a dormir tranquilamente. Isto é mesmo muito frequente mas, ainda assim, convém certificarmo-nos uma vez mais, que estamos no comboio certo (pois também já aconteceu de não estarmos!) Sendo então o nosso comboio, toca de fazer toda aquela família entender que o lugar não lhes pertence, o que perante a barreira linguística misturada com o sono é uma nova empreitada!
Uma vez conquistado o nosso território, há que arranjar um buraquinho para enfiar a bagagem e tratar de encontrar o revisor para nos arranjar uns lençóis limpos, pois se foi o que nos prometeram quando comprámos o bilhete preferíamos não ter de nos deitar naqueles que a simpática família já usou. Depois, sacudimos as migalhas, fazemos a cama o melhor que se pode e finalmente parece que teremos descanso até o vizinho da cama de baixo ligar o “roncómetro”! Como viajantes experientes toca a sacar dos tampões e da venda de olhos e está tudo bem, embalados pela dança do comboio prevê-se uma noite de bom descanso. Com o equipamento adequado dorme-se mesmo bem no comboio (e agora não estou a ser irónica).
Não se dorme é tanto como esperávamos pois os indianos são da madrugada e ao primeiro sinal do sol raiar começa a levantar-se um burburinho que cedo se transforma em acesos diálogos, gargalhadas ruidosas e até aparatosas discussões entre as famílias. Começa também a espalhar-se o cheiro a chamuças e chapatis com ghee, a dhal e parantha e enquanto os homens se abastecem, elas tratam de arranjar as tranças e de escolher um novo bindi para decorarem a testa, passam pó de talco pelo corpo das crianças ensonadas e muito khol nos seus olhos para proteger da poeira! É um cenário delicioso e apesar das poucas horas de sono sabe bem ficar parado a apreciar aquilo tudo. Não tarda nada também estamos a comer o que os nossos vizinhos prontamente partilham connosco, já com uma das crianças no colo e outra pendurada ao pescoço, encantada com as selfies que não resistimos a fazer com os nossos “telefones espertos”!