Depois de duas edições da viagem de “Yoga na Índia” pelo Norte, nesta 3ª edição vamos mudar de direcção e rumar a Sul! O Sul da Índia é ainda mais tradicional, mais verde e em geral mais tranquilo, ou talvez menos caótico, do que o Norte do país. À semelhança das edições anteriores, o que propomos não é uma viagem turística, não faltam propostas desse género nas agências, mas uma viagem de Yoga e Estudo. Mantemos a abordagem à Índia real privilegiando a proximidade com as pessoas, que são umas das maiores riquezas deste país, a peregrinação aos lugares mais sagrados e tradicionais e, nesta edição, em particular, a visita a alguns lugares de inestimável valor para os estudantes de Vedanta, como Manjakkudi, a cidade de nascimento do nosso Mestre Swami Dayananda.
Nesta aventura, voltaremos a ser guiados pela experiência do Inácio e pelo conhecimento do Miguel, cujos percursos tão diferentes se unem para enriquecer esta experiência da Índia!
Da frenética Mumbai, às águas calmas das backwaters do Kerala, da mística morada de Shiva, Arunachala, ao encanto histórico de Cochim, da imponência dos maiores templos hindus de toda a Índia à simplicidade de uma vida de ashram, esta será uma forma única e singular de viver a Terra do Yoga!
Esta não é uma viagem turística mas uma viagem totalmente orientada no sentido da prática e estudo do Yoga pelo que se destina a todos os que de algum modo já estão neste caminho.
Todo o praticante de yoga sabe que há dias e dias, nenhum dia é igual ao anterior. Se às vezes acordamos com a garra de um leão, outras é preciso uma grua para nos tirar da cama, se há dias em que o corpo está bem oleado e corresponde, outros parece que gerámos ferrugem nas articulações. Há ainda aqueles dias em que mentalmente temos uma enorme vontade de fazer tudo, mas parece que de alguma forma a comunicação entre o cérebro e o corpo falha e até damos por nós a pensar “de quem é este corpo? Isto não sou eu!”.
Hoje foi um desses dias, a prática custou! E não é que seja excepcional, muitas vezes a prática custa-me, o corpo não corresponde às expectativas da mente ou vice-versa, mas seja qual for a situação invariavelmente chego à mesma conclusão: não tenho um corpo excepcional para a prática, também não tenho o pior dos corpos, mas o problema está na minha mente e chama-se disciplina (ou falta dela)!
Desde pequena nunca levei nenhuma actividade muito a sério, experimentei um pouco de tudo e acabei sempre por desistir, na verdade, foi só no yoga que encontrei uma âncora, já lá vão pelo menos 16 anos. Ainda assim, durante muito tempo pratiquei com o foco apontado para aquilo que dava prazer e não necessariamente para o que precisava, escolhi sempre o caminho mais fácil. Foi na prática de Ashtanga Yoga que encontrei o primeiro grande desafio que ainda não superei mas que vou superando aos poucos – a questão da disciplina, da rotina, da tenacidade e da resiliência. Esta prática, e ainda que possa ser adaptada, não dá muita margem para nos encostarmos ao que é confortável, porque a sequência está definida e cedo ou tarde vamos esbarrar nalguma dificuldade e das duas uma: ou mandamos tudo às urtigas, ou vamos enfrentando!
É incrível como o Yoga como que por magia nos conduz exactamente ao ponto que precisamos de trabalhar, não no tapete, ou melhor também no tapete mas acima de tudo na vida. E sem dúvida que disciplina e resiliência são qualidades que eu preciso de trazer para a minha. Assim, na prática e na vida o meu Sankalpa ( a minha resolução interior) tem sido nesse sentido, e com a prática mas sobretudo com a visão do Yoga vou caminhando diariamente para a realização do meu sankalpa, e ainda que já tenha conquistado algum terreno há dias em que não consigo evitar os passos atrás, e ainda assim está tudo bem, está tudo na ordem.
Andar de comboio na Índia é uma experiência sobre a qual podemos escrever à vontade, mas que é como ter filhos, por mais que nos contem tudo, só sabemos como é quando os temos!
Ainda assim, numa tentativa de aproximação ao assunto, vou descrever uma aventura nocturna de 12 horas em sleeper class com A/C o que, como devem imaginar, é de si um oásis no deserto!
Ainda nem embarcamos e a coisa já vai mal! Encontrar a plataforma do nosso comboio pode ser obra desenganada, em muitas, diria que a maior parte das estações ferroviárias toda a informação está em hindi, incluindo os números das plataformas! Como sempre perguntar não serve de grande coisa pois, invariavelmente, os indianos acenam com a cabeça o que nós interpretamos como um sim, mas na verdade não entenderam rigorosamente nada do que perguntámos e simplesmente fazem o que sabem melhor – acenar com a cabeça e sorrir! Se chegarmos ao comboio (certo) e ele ainda não tiver partido então a viagem tem tudo para correr bem, pelo menos o principal está feito e se for o comboio (certo) vamos em direcção ao destino desejado.
Pois bem, de bilhete na mão e bagagem às costas lá vamos em busca do nosso lugar e também aqui é sempre bom começar a rezar, fazer um mantrinha a Ganesha ou a quem nos costuma acudir, para que “por favor, o meu lugar esteja livre”. Lugar marcado para os indianos não tem grande significado e o mais provável é chegarmos ao lugar e encontrarmos a avó, o avô, o filho, a filha, os 3 netos mais o bebé recém-nascido tudo enrolado na mesma manta a dormir tranquilamente. Isto é mesmo muito frequente mas, ainda assim, convém certificarmo-nos uma vez mais, que estamos no comboio certo (pois também já aconteceu de não estarmos!) Sendo então o nosso comboio, toca de fazer toda aquela família entender que o lugar não lhes pertence, o que perante a barreira linguística misturada com o sono é uma nova empreitada!
Uma vez conquistado o nosso território, há que arranjar um buraquinho para enfiar a bagagem e tratar de encontrar o revisor para nos arranjar uns lençóis limpos, pois se foi o que nos prometeram quando comprámos o bilhete preferíamos não ter de nos deitar naqueles que a simpática família já usou. Depois, sacudimos as migalhas, fazemos a cama o melhor que se pode e finalmente parece que teremos descanso até o vizinho da cama de baixo ligar o “roncómetro”! Como viajantes experientes toca a sacar dos tampões e da venda de olhos e está tudo bem, embalados pela dança do comboio prevê-se uma noite de bom descanso. Com o equipamento adequado dorme-se mesmo bem no comboio (e agora não estou a ser irónica).
Não se dorme é tanto como esperávamos pois os indianos são da madrugada e ao primeiro sinal do sol raiar começa a levantar-se um burburinho que cedo se transforma em acesos diálogos, gargalhadas ruidosas e até aparatosas discussões entre as famílias. Começa também a espalhar-se o cheiro a chamuças e chapatis com ghee, a dhal e parantha e enquanto os homens se abastecem, elas tratam de arranjar as tranças e de escolher um novo bindi para decorarem a testa, passam pó de talco pelo corpo das crianças ensonadas e muito khol nos seus olhos para proteger da poeira! É um cenário delicioso e apesar das poucas horas de sono sabe bem ficar parado a apreciar aquilo tudo. Não tarda nada também estamos a comer o que os nossos vizinhos prontamente partilham connosco, já com uma das crianças no colo e outra pendurada ao pescoço, encantada com as selfies que não resistimos a fazer com os nossos “telefones espertos”!
Guru significa aquele que dissipa a escuridão, no sentido daquele que ilumina através do conhecimento, ou seja, muito simplesmente – o professor. No Ocidente criam-se muitas fantasias em torno desta palavra. Imagina-se que o Guru é um mestre exótico que reune uma espécie de seita ao seu redor e que conduz as pessoas a seguidismos cegos e silenciosos. Infelizmente se esta é a visão geral é porque terá sido despoletada por algumas situações deste tipo que admito existirem. No entanto, não é bom generalizar e se passarmos a entender o guru como um professor, alguém que partilha o conhecimento, como quem ensina a escrever ou a fazer contas, percebemos que ter um guru não é fazer parte de uma seita estranha mas é tão normal quanto ter um professor de matemática.
Este é o meu guru, Swami Dayananda Saraswati. É com ele que estudo em Rishikesh, no norte da Índia. Swami Dayananda é um Professor tradicional de Vedanta (Jñana Yoga) na linhagem de Adi Shankarachárya. O seu conhecimento profundo da cultura ocidental e a compreensão dos problemas actuais, fazem dele um Professor único que tem a habilidade para fazer com que cada um perceba a sua verdadeira natureza.
Para além de ensinar, Swami Dayananda deu inicio e contribui para vários projectos de ajuda humanitária ao longo dos últimos 45 anos. Destes, aquele que mais cresceu foi iniciado em 2000, o All India Movement for Seva www.aimforseva.org reconhecido pelas Nações Unidas com o estatuto consultivo, dedica-se a servir a população das áreas remotas da Índia, sobretudo na área da educação e da saúde.