Guru significa aquele que dissipa a escuridão, no sentido daquele que ilumina através do conhecimento, ou seja, muito simplesmente – o professor. No Ocidente criam-se muitas fantasias em torno desta palavra. Imagina-se que o Guru é um mestre exótico que reune uma espécie de seita ao seu redor e que conduz as pessoas a seguidismos cegos e silenciosos. Infelizmente se esta é a visão geral é porque terá sido despoletada por algumas situações deste tipo que admito existirem. No entanto, não é bom generalizar e se passarmos a entender o guru como um professor, alguém que partilha o conhecimento, como quem ensina a escrever ou a fazer contas, percebemos que ter um guru não é fazer parte de uma seita estranha mas é tão normal quanto ter um professor de matemática.
Este é o meu guru, Swami Dayananda Saraswati. É com ele que estudo em Rishikesh, no norte da Índia. Swami Dayananda é um Professor tradicional de Vedanta (Jñana Yoga) na linhagem de Adi Shankarachárya. O seu conhecimento profundo da cultura ocidental e a compreensão dos problemas actuais, fazem dele um Professor único que tem a habilidade para fazer com que cada um perceba a sua verdadeira natureza.
Para além de ensinar, Swami Dayananda deu inicio e contribui para vários projectos de ajuda humanitária ao longo dos últimos 45 anos. Destes, aquele que mais cresceu foi iniciado em 2000, o All India Movement for Seva www.aimforseva.org reconhecido pelas Nações Unidas com o estatuto consultivo, dedica-se a servir a população das áreas remotas da Índia, sobretudo na área da educação e da saúde.
Esta manhã tive necessidade de adaptar a minha prática por causa de uma lesão, assim, a uma meia dúzia de posturas recuperativas acrescentei mais tempo de pranayama,meditação e canto. Quando cantava o Gurustotram, que raramente canto, fui invadida por uma enorme alegria por poder assumir o papel de aluna.
Tenho muita sorte pelos professores que fui encontrando neste percurso e agradeço profundamente a possibilidade de continuar a aprender e não deixar que o papel de professora faça sombra ao de aluna. Para além de participar regularmente em cursos e workshops não dispenso a prática regular (não tanto quanto tive oportunidade no passado) acompanhada por outro professor. É certo que nada substitui a prática pessoal mas, na minha opinião yoga e autodidactismo não cabem na mesma frase.
Céptica como sou tive a boa fortuna de ter como primeiro professor o Miguel, que me passou a confiança e segurança suficientes para que eu pudesse dar o beneficio da dúvida a esta “estranha” forma de vida. A partir daí foi sempre a somar bênçãos (ou punyam) – Pedro Kupfer, Tomas Zorzo, David Swenson Andres Wormull, , Manju Jois, Cláudia Villadelprat, Gloria Arieira, Swami Paramathananda, Ganga Mira e claro, a cereja no topo do bolo – o meu Mestre Swami Dayananda!
De todos e de cada um trouxe qualquer coisa. Do Miguel o respeito pela tradição, do Pedro a visão maravilhada do yogi, do Tomas o exemplo do compromisso com a prática diária, do Swenson a leveza, do Andres e do Manju uma visão mais ampla do Ashtanga, da Cláudia a paixão contagiante na hora de ensinar, da Gloria o maior exemplo de vida, do Swami Paramarthananda o significado de disciplina, da Ganga o vislumbre da liberdade e do Swamiji de entre tanta coisa “O valor dos valores”.
Quando me aproximo do altar seja em casa ou na escola, mesmo que não tenha tempo para a meditação faço o mantra para Ganesha, o meu mantra (dado pelo Swamiji) e sempre mas sempre o Guru mantra, com a intenção posta num profundo agradecimento e reconhecimento do quão precioso isto tudo é.
Por mais conhecimento que acumulemos ou por mais cursos que façamos nada dispensa o convívio com os professores que nos inspiram pois é também do seu dia a dia, das suas acções mais rotineiras, da forma como lidam com os obstáculos da vida que retiramos grandes lições. É também por isso que convidamos outros professores a virem ensinar à nossa casa. Chamamos aqueles com quem queremos aprender, juntando o útil ao agradável e beneficiando, não só daquilo que trazem para ensinar, mas também da sua companhia e presença, e isso não tem preço.
Para terminar apenas mais uma nota em relação ao Swami Dayananda. Quando nos entregamos aos pés de um Guru, quando efectivamente nos rendemos, nos expomos e confiamos, ele nunca mais desaparece. O Mahasamadhi do Swamiji em 2015 definitivamente não significou o seu desaparecimento da minha vida, ele está sentado na caverna do meu coração como o Atma descrito nas Upanishads.
Estou cansada desta feira de vaidades em que o yoga se transformou, estarei obviamente a generalizar, felizmente ainda há quem tenha as ideias no lugar mas de facto a banalização e deturpação estão a ganhar terreno e isso mexe comigo!
Este é um daqueles textos que pode gerar polémica, ou então, somos tão tradicionais na forma como abordamos o yoga cá em casa que já nem sequer ninguém nos lê, seja como for, estou pronta para as críticas. Já sei que tudo vai começar por “ah e tal não se deve julgar os demais, isso não é Yoga…”, certo. Aprender a evitar o julgamento fácil, olhar mais para dentro do que para fora, é uma das qualidades que se vai desenvolvendo com uma vida de yoga, mas isso não faz de nós seres passivos e resignados que perdem o juízo crítico. Eu não perdi o meu e não tenciono fazê-lo, porque ter uma opinião e ter clara uma forma de estar na vida também é fundamental para orientarmos as nossas prioridades, no sentido de cultivarmos uma vida de yoga. E isto já pressupõe que percebemos que o yoga não acaba no tapete de prática mas é efectivamente uma forma de viver.
Casos extremos como o do yoga a beber cerveja, yoga com cabras, yoga com armas nem chego a considerar, são demasiado estapafúrdios para terem vida longa e não exigem demasiado discernimento para que se perceba a sua falta de tudo. Agora ginástica olímpica disfarçada de yoga, desafios de ostentação do ego disfarçados de yoga, desfiles de roupa desportiva disfarçados de yoga, psicologia barata disfarçada de yoga, tiram-me do sério, pronto disse!
O Yoga é um meio para o auto-conhecimento, desse caminho fazem parte o auto-estudo, a meditação, o cumprimento de um conjunto de valores e normas éticas e também a prática de ásana, tudo o mais é folclore! Isto de nos tornarmos pessoas melhores não vai lá com falinhas mansas, com cházinho de ervas, nem com 30 mil likes no instagram, mas exige esforço, dedicação e acima de tudo compromisso. Isto também não faz do yogi um chato que não pensa em mais nada, mas alguém muito consciente da sua prioridade e portanto que tem a capacidade, ou pelo menos, esforça-se seriamente por isso, para alinhar pensamento, palavra e acção e viver de forma dhármica. Isto não quer dizer viver alienado do seu tempo, se hoje as redes sociais, por exemplo, estão ao nosso serviço há que aproveitar as suas inegáveis vantagens enquanto meios de divulgação e comunicação, mas o conteúdo que nelas colocamos esse é da nossa maior responsabilidade filtrar!
Ora viver de forma dhármica pressupõe ainda que eu não passo por cima dos outros. Quando começámos a ensinar ainda havia esse respeito e uma certa inocência genuína no meio do yoga. Os professores de yoga conheciam-se, respeitavam-se, incentivavam-se e ajudavam-se uns aos outros, a maioria trabalhava por gosto e não por obrigação, sendo que tantos acumulavam o yoga com outra profissão. Entretanto o yoga cresceu, e ainda bem que assim foi, e hoje em dia em Portugal chega a muita muita gente o que também é muito bom, mas a que preço? A concorrência aguça o mercado e é lícito que cada um queira viver bem e ser justamente remunerado pelo seu trabalho (sim professor de yoga não vive de prana, paga as contas como os outros) mas atropelos, desrespeito, e deturpação de uma cultura milenar em nome da massificação, não vale!
Dito isto cabe a cada praticante fazer uso do seu discernimento na hora de escolher as mãos a quem se entrega e cabe a cada professor honrar a tradição de ensino a que pertence e quanto ao resto “namah”, é entregar à ordem de Ísvara (mas às vezes custa!)!
Hoje em dia começa a circular pelos ginásios a onda da ginástica hipopressiva para trabalhar os músculos abdominais (como se de uma grande novidade se tratasse). Pois isto que agora está na moda está vivo no Yoga há centenas de anos e chama-se uḍḍīyāna kriyā, agnisāra kriyā ou nauli kriyā. Estas técnicas não só são excelentes para fortalecer toda a musculatura abdominal, como para estimular o funcionamento do sistema digestivo e podem ser também as grandes aliadas das mulheres na recuperação do pós-parto.
A este propósito aqui fica este texto escrito pelo Miguel e publicado no Dhamabindu, o nosso site de estudos de Yoga, onde podem aprender mais sobre o assunto:
Agnisāra dhauti, também conhecido como agnisāra kriyā, é uma técnica do haṭha yoga que proporciona aos órgãos abdominais o exercício e massagem necessários para que eles cumpram as suas funções de forma saudável. Esta prática activa agni, o elemento fogo, no corpo, que no sentido mais denso é equiparado ao processo digestivo, também chamado de fogo digestivo. Diz-se no yoga que uma digestão saudável é o primeiro passo para a saúde, na medida em que o corpo não acumula ama (que por agora traduziremos como toxinas). Para isso, então, precisamos de órgãos abdominais saudáveis para que o poder digestivo do corpo seja estimulado. É este o propósito do agnisāra. Ele não só purifica e fortalece os órgãos abdominais do sistema digestivo como os demais órgãos abdominais.
Para fazer agnisāra kriyā e depois nauli kriyā é necessário aprender primeiro a fazer uḍḍīyāna kriyā.
A melhor forma de aprender esta técnica é:
a) Ficamos de pé, os pés afastados à largura das ancas ou um pouco mais, os joelhos levemente flectidos, o tronco ligeiramente flectido e as mãos apoiadas acima dos joelhos.
b) A posição das mãos é importante para suportar a acção a fazer em seguida, mas também para fixar os músculos do pescoço e ombros.
c) Os dedos das mãos voltados para dentro, para fora ou para baixo conforme o que funcionar melhor.
d) Expiramos completamente, usando bem a musculatura abdominal para esvaziar bem os pulmões.
e) Retemos sem ar.
f) Fazemos uma falsa inspiração, ou seja, fazemos o movimento do peito e costelas como se fossemos inspirar, mas não deixamos o ar entrar. Ao fazê-lo, o abdómen tem de estar relaxado.
g) O diafragma sobe e o abdómen é sugado para dentro em direcção à coluna e para cima desenhando o contorno das costelas.
h) Esta sucção é mantida o tempo que se puder permanecer sem inspirar.
i) Para desfazer o uḍḍīyāna relaxa-se o peito, deixa-se o abdómen voltar ao normal de, forma passiva, à medida que soltamos a garganta e inspiramos lentamente. Isto é um ciclo.
j) Deixamos a respiração voltar ao normal e depois repetimos.
Uma primeira nota para a dita inspiração simulada ou falsa. Ao simularmos o acto de inspirar, mesmo o ar não entrando nos pulmões, o peito expande-se como numa inspiração normal. Por força disso, existe uma aumento súbito da pressão negativa na cavidade torácica que cria a sucção do diafragma.
Um mínimo de 3 ciclos com a duração de 10 segundos cada é sugerido.
É importante lembrar que este uḍḍīyāna é diferente de outras formas de uḍḍīyāna usados quer no āsana quer no prāṇāyāma e é por isso que em vez de lhe chamarmos uḍḍīyāna bandha chamámos-lhe uḍḍīyāna kriyā. Em boa verdade, no prāṇāyāma, esta forma de uḍḍīyāna só seria aplicada na retenção sem ar.
Uma característica peculiar desta técnica, devida ao movimento do diafragma, é o alongamento da parte inferior da coluna lombar associado ao ângulo assumido pelo sacro devido à posição do corpo. Em conjunto, esta combinação revela-se terapêutica para quem tem problemas na região lombar e é sentida como um alívio nessa zona. Não só alonga a região lombar como fortalece e tonifica a região abdominal eliminando o excesso de gordura na região.
A técnica do agnisāra pode ser feita em pé ou num āsana sentado:
a) Começamos com uma respiração profunda
b) Expiramos completamente, esvaziando os pulmões, sugando o abdómen para dentro e para cima, fazendo o uḍḍīyāna kriyā.
c) Retendo a respiração, soltamos o abdómen e recolhemos.
d) Repetimos este processo sucessivamente e de forma rápida o tempo que a retenção sem ar nos permitir.
e) Inspiramos. Isto é um ciclo de agnisāra.
f) Deixamos a respiração voltar ao normal e depois repetimos.
Progressivamente, o tempo de retenção e o número de repetições devem ser aumentados. A Gheraṇḍa Saṁhitā aponta a 100 repetições num ciclo, mas 15 parece-nos um bom número a apontar de início.
Um erro comum é desleixar-se a profundidade do movimento em proveito de um maior número de repetições. Para que a técnica produza o seu efeito é importante que o movimento não seja superficial e portanto o aumento do número de repetições não pode prejudicar um movimento amplo e profundo.
Sugere-se um mínimo de 3 ciclos. O agnisāra dhauti deve ser feito com o estômago e intestinos vazios. Aqueles que têm tensão alta ou problemas cardíacos devem ter cautela e os que têm úlcera ou hérnia abdominal (do hiato ou inguinal) devem abster-se. O bom senso já nos diz que grávidas não devem fazer esta kriyā. Estas cautelas valem também para o nauli.
Os demais só têm a beneficiar com esta prática. Ela fortalece a musculatura abdominal e é dos poucos exercícios que tonifica o transverso abdominal. O sistema digestivo também é estimulado, o que permite uma melhor assimilação dos nutrientes.