Ao longo dos últimos dez anos foram poucos os dias em que não ouvi a voz do meu Mestre. Uma presença constante, uma dedicação constante que mudaram a forma como me vejo a mim e ao mundo.
Há pessoas como eu que em algum momento se apercebem que não é o adquirir relações, experiências ou objectos que colmatará a sensação de que falta alguma coisa. Tampouco é abandonarmos o que quer que seja. Como disse o Swamiji, o problema sou eu, a solução sou eu. Nesse momento começa a busca pela libertação, a libertação da sensação de que falta alguma coisa, da noção que sou limitado.
Para alguém assim, encontrar um mestre verdadeiro é tudo. Há um verso na tradição (um dos versos do guru stotram) que diz que o guru é mãe, é pai, irmão, amigo, o conhecimento e a riqueza e conclui tvameva sarvam mama devadeva, deus dos deuses, tu és tudo para mim. O Swamiji foi tudo para mim, o Swamiji é tudo para mim. Uma das primeiras vezes que me viu disse, who is this boy? e desde aquele dia abraçou o rapaz a quem chamaria mānya. Ensinou-me, pediu-me para ensinar, disse-me que viria a Portugal e em 2008 cá esteve, permitiu–me fazer o upanayanam no ashram em Rishikesh e pela mão dele eu e a Ana casámos naquele mesmo ashram. Sempre cúmplice ainda este ano, quando nos viu a primeira pergunta foi sobre os nossos filhos.
Não há palavras para agradecer àquele que nos abre os olhos e nos faz ver. Aquele que antes via limitação em si, agora é livre dela. Essa é a graça do Guru. O Swamiji sempre foi a compaixão em pessoa, sempre disponível e ao mesmo tempo sempre fiel à visão da realidade, ao śāstra, à verdade do que é, sem romantismos espirituais, sem nunca compactuar com fantasias, uma mente aguçada, brilhante, impiedosa com a ignorância e o erro, uma capacidade de comunicação que nos fazia ver o que ele via, e um sentido de humor imparável que muitas gargalhadas nos deu.
Sei que daqui a várias gerações olharão para ele como hoje nós olhamos para Śaṅkara. Aquilo que ele conseguiu numa vida não é normal. O mais significativo, para mim, foi o resgatar do sentido preciso e claro do śāstra e a capacidade de fazer do vedānta o que ele é, um espelho de palavras para ver quem sou.
O guru permanece, porque o guru é uma instituição, é a tradição de ensino, é o sampradāya. No canto da Gītā e das upaniṣads, no desdobrar do significado de cada palavra apontando directamente para o que somos, no vedānta como pramāṇam, como meio de conhecimento para a pergunta “quem sou eu?”, em tudo isto o guru é vivo.
Não há maior riqueza do que conhecer-se a si mesmo, eu livre de qualquer noção da carência, limitação. Para isso um mestre é preciso, aquele que remove a escuridão, ele mesmo livre, sem nada a ganhar, estende a mão e mostra-nos aquilo que está sempre aqui, sempre esteve e estará, é tão evidente.
Obrigado Swamiji,
Sempre aos teus pés, sempre no meu coração.
Até ao meu último suspiro, enquanto puder ensinar, estarás presente como te vi e ouvi.
O teu mānya