por casa-ganapati | Out 21, 2024 | Destaque, Eventos
Sempre que termina uma edição da Formação em Yoga, muitos alunos sentem a necessidade de aprofundar o tema dos ajustes. E ainda bem, pois para além da responsabilidade que acarreta, ajustar alguém é um gesto de cuidado e atenção que queremos usar em benefício do outro e isto implica prática e à vontade, que só o tempo trará. Para dar resposta a esta necessidade surgem as sessões especiais de ajustes.
“Fazer a postura pelos alunos é como fazer os trabalhos de casa pelos nossos filhos!”, esta é uma frase da minha professora Kia, com a qual não podia estar mais de acordo. O ajuste não deve ser algo gratuito ou feito porque é “suposto”, ele serve um propósito – dar um sentido de direcção, despertar no aluno aquilo que é necessário activar, alertar para um excesso de tensão… Por outro lado, tudo o que carregamos connosco passa através do toque para o outro, pelo que é necessário estarmos alinhados e presentes quando tocamos alguém.
Estas e outras considerações, bem como a arte prática dos ajustes nos diversos grupos de posturas do hatha yoga serão o tema para estas sessões práticas.
Todos os que queiram aprofundar, aprimorar ou praticar a arte do ajuste no āsana são bem-vindos!
Estrutura: 4 SÁBADOS 15-18H
SESSÃO 1
- Princípios básicos
- Surya namaskar
SESSÃO 2
SESSÃO 3
- Posturas sentadas (flexão e torsão)
SESSÃO 4
*As 4 sessões seguirão esta ordem, mas avançaremos ao ritmo do grupo permitindo praticar antes de avançar pelo que poderão sobrepor-se grupos de posturas entre sessões. As sessões estão pensadas para se complementarem pelo que faz sentido participar no programa completo mas é possível assistir a cada sessão isoladamente.
DATAS:
- 9 NOVEMBRO
- 30 NOVEMBRO
- 14 DEZEMBRO
- 18 JANEIRO
INSCRIÇÕES E +INFO: ana@casaganapati.com
por casa-ganapati | Mai 31, 2024 | Destaque, Eventos
Eis que, depois de 6 edições de Yoga na Índia, sai uma edição improvável, talvez até inesperada, mas que nos faz muito sentido! Há muito que queremos levar os nossos filhos à Índia. Na altura em que nasceram o propósito e foco das nossas viagens era estudar e estar perto do nosso mestre e, felizmente, como sempre tivemos um bom apoio familiar, reservávamos esse tempo exclusivamente para isso. Quando surgiram as viagens de grupo, e por serem viagens muito desafiantes, também considerámos que a nossa atenção deveria estar totalmente com as pessoas que levamos connosco.
No entanto, ao longos de todos estes anos, muitos são os alunos e amigos que questionam: para quando uma viagem com as crianças?
Aqui está ela, Yoga na Índia *FAMILY EDITION* Uma viagem pensada para famílias, adaptada às exigências e necessidades que isso implica, mas sem perdermos de vista aquilo que nos move aos três (Miguel, Ana e Inácio) a Índia real! À luz da tradição do yoga e da cultura védica, montamos uma proposta que abraçará história, mitologia, natureza e yoga! Com algumas paragens em locais emblemáticos, uma incursão pela vida selvagem, noites em comboio e claro, a experiência de um ashram, vamos proporcionar às famílias que nos acompanhem, o colorido, o sentimento e a intensidade da Índia!
Esta viagem destina-se a participantes que queiram viajar em família, aproveitando a oportunidade de partilhar o momento. Pais e filhos, avós e netos, primos e sobrinhos, vamos juntos formar uma só família e mergulhar na experiência da Índia, em boa companhia e na salvaguarda de um acompanhamento experiente e seguro. Vamos mostrar-vos a Índia dos nossos olhos!
ÁRVORE GENEOLÓGICA:
“O PAI” MIGUEL HOMEM
Miguel é apaixonado pela tradição de ensinamento da Índia, sobretudo pelo yoga e vedānta que vê como um só. A Índia transpira uma visão transcendente do Homem que emerge do contacto com as pessoas, no aparente caos das aglomerações humanas, nas deslocações pela ruas, estradas e comboios, no céu sempre mascarado com o véu misterioso, e nos momentos de assimilação espontânea num templo, às margens do Ganges e tudo isto faz valer pisar os pés naquela terra sagrada.
Miguel dedica-se ao estudo, prática e vida de yoga há cerca de 20 anos, aprendeu e aprende yoga com vários professores dos quais destaca Andrés Wormull, Claudia Villadelprat, David Frawley, Manju Jois, Pedro Kupfer, Simão Monteiro e Tomas Zorzo.
Em 2005 conheceu o seu Mestre Pujya Swami Dayananda com quem aprendeu vedānta regularmente até ao seu Maha Samādhi. Desde 2006 traz regularmente a Portugal a Prof. Gloria Arieira com quem mantém o estudo de sânscrito e shaṅkara bhāṣyam e por quem nutre o afecto de um filho. Em 2007 conheceu Ganga Mira, assistindo regularmente aos seus satsaṅgas desde então. A expressão directa da Ganga é uma fonte de inspiração e contemplação contínua.
Continua a estudar regularmente, continua a ouvir o que o Swamiji ensinou, continua a aprender e a manter uma relação estreita com as suas Mestras por quem tem um carinho, respeito e admiração sem fim. Continua ainda a viajar para a Índia, anualmente, para visitar lugares sagrados, aprender, praticar, ensinar e tudo o mais que a Índia traz.
Miguel tem um enorme respeito pela tradição de ensino e o seu compromisso é passar adiante aquilo que lhe foi passado pelo seu Mestre. Ensina vedānta regularmente na Casa Gaṇapati, dando aulas semanais e conduzindo cursos extensivos.
“A MÃE” ANA SERENO
Atraída pela Índia muito antes do Yoga entrar na sua vida, Ana viajou para lá pela primeira vez em 2001 com a sua mãe numa típica viagem turística atrás dos vidros mas não menos significante. Ao descolar do avião no regresso a casa soube que para sempre estaria ligada aquela terra e assim foi. A partir de 2009, voltou à Índia várias vezes e aí acabou mesmo por casar-se, nas margens do Ganges e sob a bênção do seu Mestre, Swami Dayananda com Miguel Homem.
O entusiasmo e paixão por este destino é tal que não desistiu enquanto não viu estas viagens ganharem vida!
Ana iniciou o estudo e prática de yoga com o Miguel há mais de 20 anos, estudou e praticou com vários professores tendo feito várias formações que determinaram o seu modo de estar e ensinar yoga nomeadamente com: Pedro Kupfer, Tomas Zorzo, Claudia Villadelprat, Manju Jois, David Swenson e Kia Naddermier.
O estudo de Vedanta foi acompanhado pelo seu Mestre Swami Dayananda e mantém-se pelas mãos de duas Mestras verdadeiramente inspiradoras e por quem nutre uma profunda admiração, a professora Glória Arieira e Ganga Mira.
Ana convida todos os que queiram conhecer a Índia à luz do contexto do Yoga, mergulhando sem reservas na cultura e modo de vida indianos a juntarem-se nesta viagem organizada com muito amor.
“O TIO” INÁCIO ROZEIRA
Inácio, viaja pela Índia há mais de 20 anos. Das suas mais de cinco dezenas de viagens pela Índia conheceu grande parte do sub-continente e guiou mais de cinco centenas de viajantes por estas paragens exóticas. É especializado em viagens de aventura com uma forte componente de interação cultural, desenrasca-se nos bazares e nos transportes locais como um autóctone e, ao longo destes últimos anos desenvolveu uma capacidade para falar hindi de uma forma simples para não ser enganado e tornou-se especialista na história contemporânea da Índia.
Em 2010 deu a volta à Índia numa mota com sidecar.
INSCRIÇÕES E MAIS INFORMAÇÃO:
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Registo Nacional Agências de Viagens e Turismo RNAVT nº 6559
por casa-ganapati | Mai 7, 2021 | Blog, Destaque
“Vairagya serve para te ajudar a tornares-te uma pessoa maior”
Em Março de 2010, durante o primeiro curso em Rishikesh, dedicado ao texto Pancadasi, tivemos uma vez mais a honra e feliz oportunidade de entrevistar Swami Dayananda. Como já se vem tornando hábito, fomos recebidos na sua casa, pelo seu bom humor e compaixão e expusemos as nossas questões às quais Swamiji respondeu com toda a sua clarividência. É com muito gosto, então, que partilhamos mais uma entrevista, desta vez sobre os valores universais, desejando que possa ser útil e esclarecedora para todos.
Existem alguns valores universais. Porque devemos segui-los? Porque alguém nos diz para fazê-lo, ou existe uma razão objectiva para tal?
Os valores não são universais porque alguém nos tenha dito. Se alguém nos tivesse dito não seriam universais. Sem que ninguém nos diga nada, temos valores que são universais. Isto vem de um simples facto inerente a qualquer organismo vivo, que é: querer viver e viver sem sofrer. Eu quero viver, não quero sofrer. Isto é um valor instintivo de todo o organismo vivo para que possa sobreviver. É um instinto de sobrevivência. Com os animais esse instinto pára por aí, está programado. Imaginem que uma vaca dá um coice a alguém e essa pessoa fica magoada, a vaca não sente qualquer arrependimento, ou culpa. Nós humanos também não queremos ser magoados, porque somos seres vivos, então temos o mesmo valor de que ninguém deveria magoar-nos. Mas enquanto seres humanos temos a capacidade para observar e saber que os outros também não querem ser magoados, é do senso comum. A vaca parece não saber isso, mas nós sabemos, observamos e sabemos. Então, se eu não quero ser magoado e os outros também não – um valor nasce. Assim sendo é universal, é um valor não ensinado. Todos os outros valores nascem desse valor porque se fores contra ele vais magoar as pessoas. Roubar, enganar, explorar – tudo isto magoa as pessoas. Logo existem valores derivados e existem valores primários, sendo que ahimsa – não magoar o outro – é um valor primário. Como tal dizemos que ahimsa é o valor primordial – paramodharma. A partir daqui já temos um conjunto de valores. Se alguém é compassivo, compreensivo, generoso, cuidadoso, valorizamos isso. Os outros também valorizarão isso em nós. Ainda assim, porque é que as pessoas vão contra os valores, se sabem que aqueles são os valores que formam uma estrutura comum? Os seres humanos têm a capacidade de escolha e assim sendo precisam de uma estrutura de valores comum – a tua escolha não me magoa, a minha escolha não te magoa. Então, se existe essa estrutura comum de valores, porque vou contra ela? Por uma razão: a pressão dos meus desejos, da minha ambição. O desejo gera pressão, essa pressão faz a pessoa comprometer os valores, o dharma, e por isso dizemos: não cedas à pressão – tayor vacham na agachet; não te deixes levar por essa pressão, a pressão do desejos, de diferentes tipos de desejos – raga-dvesha. E porque não, se tanto se fala em “Sobrevivência do mais forte”[1]? Eles podem bombardear-te, tu podes bombardeá-los, eles podem bater-te, tu podes bater-lhes, está tudo bem. Foi o que fizeram nos séculos passados. “Poder é razão” (trocadilho com a rima “Might is right”, em inglês). Todos tentaram bater nas pessoas e ocupar os lugares, colonizá-los e tudo mais. Fizeram muitas atrocidades em nome do “Poder é razão”. Muitas religiões apoiaram isso também, em nome da religião fizeram-no.
Assim sendo, o crescimento enquanto ser humano está na minha capacidade de agir conforme o dharma, inicialmente com resignação, deliberação e um grande sistema de apoio, depois espontaneamente. Por espontâneo entende-se que te tornas santo. Essa santidade é o crescimento de um ser humano, isso é ser espiritual. Dizemos que alguém é espiritual em relação a outra pessoa que não cresceu nesse sentido. Toda a gente tem de crescer nessa direcção e a partir daí crescer por sua própria iniciativa. Se não crescemos tornamo-nos pessoas emocionalmente atrofiadas. Não é por mais ninguém que eu cresço, é porque estou desenhado para crescer, logo devo crescer e tornar-me uma pessoa completa. Na minha própria auto-estima sinto-me muito feliz, na perspectiva dos outros também passo, mas não é esse o critério para o meu crescimento. Na minha própria estima vejo-me como livre de culpa e desse crescimento atrofiado e logo vivo bem comigo próprio.
A relação entre moksa e essa santidade, a relação entre viver de acordo com o valores e moksa é que apenas para esta pessoa existe moksa. Não entenderás que és o Todo se não fores compassivo contigo próprio. Eu sou ananda. Não posso sentir-me culpado e magoado e ver este conhecimento de que sou o Todo, não funcionará, é uma contradição, essa mente humana não consegue ver, esse ser humano não consegue ver isso. Logo, viver de acordo com o dharma e moksha estão altamente relacionados. Mesmo que uma pessoa não alcance moksha, será sempre uma pessoa virtuosa e isso, por si só, já é um dividendo, isso por si só já é crescimento e a partir daí moksha torna-se muito simples, é apenas um passo, é apenas aquela ligação – tat tvam – tu és isso, apenas essa ligação tem de ser feita, nada de especial.
Sobre kshanti, aceitação
Como agir quando nos é impossível aceitar um determinado comportamento de alguém em relação a nós? Deveríamos evitar relacionar-nos com essa pessoa ou confrontá-la?
Temos de estabelecer limites. Este valor existe para ti, mas também para a outra pessoa, quer ela o valorize ou não, deveria ser um valor para o outro também – kshantih. Então o que fazes? Acomodação é penas permitir que essa pessoa permaneça no seu espaço, “mantém-te no teu espaço mas sem me afectar”. Estabeleço limites para mim e também para o outro. Nas relações interpessoais esta é a coisa a fazer – estabelecer limites. Às vezes é muito difícil, mas é possível. Podes dizer à outra pessoa “pára, a partir daqui não podes passar”, ou “desculpa mas não consigo lidar com isto”. Na sociedade ocidental dizem isto com muita facilidade, os indianos não, têm muita timidez e consideração – “o que irão pensar?” – têm estas preocupações em demasia. Lá (referindo-se ao ocidente) eles não se preocupam nada! (risos). Estive na Holanda e aquelas pessoas são tão claras e abertas. Temos mesmo de criar limites – arantih jana samsari.
Sobre aratih jana-samsadi,
A maioria de nós vive em sociedade. Onde está o equilíbrio entre uma interacção social saudável e ter tempo de qualidade para si próprio?
Tens de escolher que tipo de vida social vais viver. A vida social também ajuda a pessoa a crescer, no entanto, não pode ser um estilo de vida sem qualquer significado, que vá arrastando a pessoa indefinidamente. Não queremos que as pessoas sejam reclusas mas tão pouco que corram atrás de uma socialização que implique beber, dançar até altas horas da noite e toda uma variedade de outras coisas. De certa forma, parece que socializar passou a significar altas horas da noite. Temos de criar o nosso próprio círculo social. Organizar um jantar tranquilo e convidar os amigos. Mudar hábitos. Tu próprio inicias isso. E há muita gente que vai adorar ir. Desta forma, crias a tua própria sociedade, é assim que deve ser. Temos de criar o nosso próprio sistema de suporte, não podes esperar apoio num sistema social como falámos no início, porque serás arrastado para esse estilo de vida. Então criaremos a nossa própria sociedade e haverá cada vez mais gente nela. Com tempo, as coisas começarão a mudar. Por outro lado, existe o respeito pelo tempo de cada um, pela privacidade. Convidas as pessoas para fazerem um sat sang, uns bhajans, trocar perguntas e respostas e mesmo para dançar, sem beber, quando muito uns refrigerantes ou o que quer seja moderado nessa cultura. E pode ter-se também alguma música, que seja um pouco mais “séria” (risos). Então desta forma criamos a nossa própria sociedade e haverá muita gente interessada em começar uma vida assim, encontrarás essas pessoas porque há muitas que estão apenas à espera desse tipo de iniciativas.
Sobre vairagya, desapego
Swamiji pode explicar a diferença entre vairagya e egoísmo? Algumas pessoas, no ocidente, tomam um pelo outro. Por exemplo pensam que ter algum vairagya perante as relações é egoísmo.
Não há qualquer egoísmo, vairagya é desapego. Existe algum mal entendido em torno de vairagya, mas deve ser removido. Vairagya deve ser entendido da seguinte forma: se numa relçãao entre duas pessoas um dos parceiros diz “eu tenho desapego”, não é muito boa ideia, não é deste vairagya que estamos a falar. Vairagya é perceber a ausência de conexão entre aquilo que fazes e aquilo que queres, isso é vairagya. Eu quero Moksha mas faço outra coisa qualquer, não há qualquer conexão. Mas vejamos um exemplo, numa relação um dos parceiros quer um filho e o outro não, aí está um problema. Aquele que quer o filho dirá ao outro que ele é egoísta e que só pensa na sua própria felicidade. Mas ter uma criança é vairagya. Se fazes algo, mesmo sendo aquilo que não queres, isso também é vairagya. Se o outro quer, nós fazemo-lo feliz, é a melhor coisa a fazer. E assim tornas-te maior. Vairagyaserve para ajudar-te a tornar-te uma pessoa maior, não menor. Em nome de vairagya não podes tornar-te menor. Tens de dar. Assim sendo, fazes feliz a pessoa que amas. Já resolvi este tipo de questões entre casais tantas vezes… A mulher chega aqui e diz-me “eu quero um filho mas ele é espiritual e não quer”, E eu pergunto ao marido: “o que tens a perder”? A paternidade é uma coisa muito boa para antharkarana shudhi. Fazer a outra pessoa feliz é o que vairagya é. Na tua vida há uma pessoa que amas e precisas dela para alimentar o teu ego, que espécie de vairagya é esse? É falso vairagya, mas acaba por ser visto com esse nome. Então, sê objectivo, se existem as condições para criar a criança adequadamente a decisão deve ser dos dois. Ambos têm de decidir “ok, vamos ter um filho”. Se já não estiveres na idade certa, se houver algum risco envolvido, nesse caso não te incomodes com o assunto, mas se for seguro ter uma criança deves seguir isso. A paternidade é uma coisa linda. A mulher é desenhada para ser mãe, de outra forma todo aquele sofrimento por que passa, mês após mês, seria inútil, esse distúrbio hormonal e tudo o mais seriam um disparate. Elas têm de passar por tudo isto porque são desenhadas para a maternidade e o próprio sistema biológico quer isso. Até por volta dos 30 anos não se interessa, a partir daí o desejo começa e, por vezes, acaba por ser tarde de mais. Por isso dizem que se deve ser mãe quando é saudável. Estas pessoas modernas preferem ser livres, sem filhos. Também com um filho se pode ser livre. Tudo depende… Livre para fazer o quê? Se tiveres uma criança não podes sair até altas horas… Se gostas de ser mãe isso já é sucesso, não precisas de qualquer outra liberdade. É uma confusão de valores.
Vairagya deve ser bem entendido. Uma criança não resolverá todos os problemas, isso é vairagya, mas resolverá alguns. Aquilo que uma pessoa não recebeu dos seus pais na infância pode dar aos seus próprios filhos e assim processar tudo isso. Esse inconsciente tem de ser liberto, é um kashaya, e para isso a maternidade e a paternidade são a melhor coisa. Se for possível a pessoa deve ter filhos.
Sobre anabhishvangah putra-dara-grhadishu – Ausência de obsessão em relação a filhos, mulher e lar.
O Swamiji costuma dizer “Somos todos apaixonados pelo Eu satisfeito”. Como encontrar amor e liberdade nas relações?
A afeição é necessária, abhishvanga é afeição, e é necessária para os seres humanos, eles requerem afeição e esta fá-los sentir amados, o que parece ser uma grande necessidade. A criança não entende “eu sou amada”. Nenhuma criança percebe isto. Se a mãe se afasta por alguma razão ela imediatamente pensa “eu não sou amada”, esta é a forma de pensar de uma criança. Assim sendo, o que devemos fazer é tornar esse carinho e afeição objectivos. Cuidar é uma coisa maravilhosa. Tu dás e fá-los sentir acarinhados. Outra coisa é a obsessão, estar constantemente preocupado “o que vai acontecer, o que vai acontecer, o que vai acontecer” isso é obsessão. “Como vou sobreviver sem esta pessoa”, tudo isso é obsessão. Tenho de entender que tudo é oferecido por Ishvara e que tenho o meu círculo, o meu pequeno círculo de relações dentro do grande círculo, logo é dele que eu tomo conta. Tenho de fazê-lo e gosto de fazê-lo pelo que se torna seva, torna-se a tua contribuição. Uma criança é-me dada, sob o meu cuidado, sob o meu amor a criança vai crescer, então asseguro-me que ela cresça bem, no seu espaço, sem tentar controlar, amor não é controlo. Fazemos frequentemente esta confusão entre amor e controlo ” eu amo-te por isso senta-te!”, isso é um problema. Assim, dá espaço à pessoa para que ela possa ser livre, para que ela possa expressar o seu amor. Não é fácil, porque onde há amor a obsessão espreita, o controlo, o ciúme, o medo espreitam, pelo que devemos estar devidamente conscientes de que fomos criados por uma lei, cada um crescendo no seu tempo (tradução da palavra pace, Swamiji inicia aqui um trocadilho com as palavras pace e space). Tempo e espaço são coisas diferentes, então devemos entender que cada pessoa cresce no seu tempo e espaço. Isto significa que não podes esperar o crescimento imediato da criança, ela tem de crescer no seu próprio tempo, como o botão de uma flor desponta no seu devido tempo, não podemos apressá-lo, isso é amor – permitir que a pessoa cresça no seu tempo e espaço, isso é anabhishvangah putra-dara-grhadishu. Se estamos a falar de um objecto (uma casa, um carro,…) é a mesma coisa. Cuidamos das nossas coisas, mantendo o carro limpo, oleado… O carro não deve ser uma extensão de mim mesmo, noto que algumas pessoas lhe dão uma ênfase
excessiva, chama-se a isto valor exagerado, a pessoa projecta-se noutra coisa qualquer. Isto é um problema de auto-imagem, um bom estudo de Vedanta levará tudo ao sítio. Um correcto estudo de Vedanta resolverá este problema de auto-imagem. Se eu sou o Todo onde está o problema de auto-imagem? Então, isso vai-se quando correctamente entendido, por isso temos de ensinar.
[1] Might Is Right ou
The Survival of the Fittest, é um livro do autor com o pseudónimo Ragnar Redbeard. Considera-se que advoga o Darwinismo social e que tenha sido publicado em 1890. Nesta obra o autor rejeita as ideias convencionais dos direitos naturais e humanos e argumenta que apenas o poder físico e da força podem estabelecer a ordem moral.
por casa-ganapati | Mar 14, 2021 | Blog, Destaque
”Não existe caminho para o crescimento espiritual sem compaixão”
Durante a nossa estadia no Arsha Vidya Pitham em Rishikesh, Swami Dayananda Saraswati, recordado da entrevista que lhe havíamos feito na Quintas das Águias em Outubro de 2008, propôs-nos responder a mais algumas perguntas. Foi com maior prazer e reconhecimento que preparámos a entrevista que se segue dedicada ao tema da Solidariedade. É também com o maior respeito que agradecemos ao Swamiji pelos momentos que nos dedicou e pela simpatia com que nos recebeu.
1. Por favor explique-nos a importância da solidariedade, ocupar o tempo ajudando os outros.
Todos nós temos de ajudar, porque precisamos de crescer emocionalmente, crescer para nos tornarmos pessoas auto-aceites. Não podemos permanecer pessoas inseguras. Se sou inseguro não consigo ajudar, quero é que o mundo inteiro me ajude (risos).
As pessoas aproveitam-se das situações. Uma pessoa frágil, ou que esteja numa situação de fragilidade, pode explorar em seu próprio benefício, e isso significa que é uma consumidora e não uma contribuinte. Para ser um contribuinte é necessário dar, ajudar. Este é o método para o crescimento, dando e contribuindo, tornamo-nos pessoas mais completas, mais compassivas. Quanto mais compassivos formos, mais nos aceitamos. Quanto mais inseguros formos, menos nos aceitamos. Isto alimenta-se, sou inseguro, logo não consigo dar e então deito a mão a tudo. Assim, quanto mais eu quiser agarrar, motivado pela minha insegurança, mais inseguro me tornarei.
Todos começamos a vida com alguma insegurança, mas crescemos transformando-nos em contribuintes. Quanto mais contribuir, mais seguro serei, quanto menos o fizer, mais inseguro serei. Assim, viver transforma-se em “ir levando”. Dei uma palestra sobre este tema:”Viver Vs ir levando”. Ir levando é apenas passar, viver só acontece quando contribuis.
2. Qual e a visão dos Vedas acerca deste tema?
Danena adanam tara, os Vedas dizem que temos de dar. Danena adanam tara. Vejam este ashram. Não cobramos, não pedimos nada, mas estamos a funcionar. Muitos sadhus vêm, muitas pessoas vêm e ficam aqui, e não temos quaisquer problemas. Funcionamos assim também nos EUA e é impressionante. Destacámos um novo gerente para o ashram de Coimbatore e ele tem os seus próprios problemas. Cobra tanto que ninguém pode vir aos cursos (risos). Deixo que seja ele a perceber o que está a fazer. O princípio não foi percebido. O princípio é deixar as pessoas tomarem conta do lugar, nós não tentamos fazê-lo, se o fizermos não conseguiremos, porque é enorme. Temos de deixar as pessoas cuidarem daquilo. Trazer as pessoas, isso é o trabalho que o gerente deveria fazer. Trazer mais pessoas e deixá-las cuidar do espaço. Apenas geres, não gastas o dinheiro, não o desperdiças, se gerires adequadamente, o dinheiro vem. Esse é o princípio, é cultural, é a nossa cultura. Danena adanam tara, se temos incapacidade para dar, isso é natural, mas temos de ultrapassá-la. Tara significa ultrapassar, isto é Veda, Sama Veda. “Au au au setumstara dustaran”[1], utiliza uma ponte (setu) para atravessar isso. Estas coisas são difíceis de ultrapassar, isso é adanam. Como ultrapassar o facto de não dar? Danena adanam, danena adanam, danena adanam…Danena adanam tara. Não dar é ultrapassado dando (risos). Fingir e agir, danena adanam.
Se não tens shrada[2], shradaya ashradam, com shrada significa agir como se tivesses. O que as pessoas que têm shrada fazem, tu fazes também. E shrada vem, isto é verdade.
Shradaya ashradam, akrodenam krodam, a raiva, por favor, ultrapassa através de akroda, a prática de não-kroda, não há outra forma. Não vitimizes as pessoas, neutraliza toda essa raiva krodenam krodam. Satyenam anrtam, pelo que é verdadeiro, ultrapassamos anrtam, o que é falso. Isto é Veda, Sama Veda e Yajurveda. Shradaya deyam, isto também é Veda. Aquilo é Sama Veda e isto é o Yajurveda de Krishna. Shradaya deyam. Deyam significa dar, com shrada eu dou. Ashradaya deyam, não dês sem shrada.
Assim, convidamos todos os sadhus para o bandhara[3], e fazemo-los sentirem-se obrigados a vir, não lhes fazemos sentir que estamos a dar-lhes comida, não. Fazemo-los sentir que é seu dever vir, isso é a verdade, isso é dar, isso chama-se shrada.
Eu não me posso curvar, tenho problemas na lombar, mas lá me vou arranjando com algum yoga, mas ainda assim, vou lá e faço namaskara[4] a toda a gente, seja quem for, não questiono, faço namaskar até aos bhramacharys[5] e às outras pessoas. Faço namaskar a toda a gente. As pessoas sentem-se bem, sabes? Mas para mim é real, não tenho qualquer pretensão, realmente respeito. Isso é shrada. Se não podes dar mais, ofereces a tua ajuda com humildade. Com o conhecimento acerca da pessoa a quem estás a dar, dá, quer ela aceite ou não. Por favor, assegura-te de que o destinatário da tua ajuda a aceita, mas ainda que não dá. Dá com o conhecimento daquilo que estás a dar.
Então, tanto, nesta tradição está relacionado com dar. Se olharmos para o trabalho voluntário na maioria dos países, o voluntariado como contribuição diária de uma pessoa só acontece na Índia. Nesta cultura até as pessoas pobres contribuem. Todos os sadhus viviam aqui, não havia nenhum local que distribuísse comida, mas eles vinham até aqui porque podiam aprender uns com os outros. Foi assim que tudo começou. Queriam aprender e vinham para Rishikesh. Mais ninguém vivia aqui e eles ajudavam-se mutuamente. Uma pessoa sabia gramática, outra sabia Vedanta e assim se aprendia. Os professores de gramática ensinar-te-ão gramática, os de Vedanta ensinar-te-ão Vedanta. Um gramático vai querer aprender Vedanta. Um professor de Vedanta também sabe gramática mas não vai ensinar isso, porque seria uma perda de tempo para ele. Ele guiar-te-á “por favor, vai até lá e aprende com outra pessoa”. Eles especializavam-se, por isso o professor de gramática vinha aprender com o professor de Vedanta e assim entreajudavam-se. Havia sempre alguém que sabia um pouco de gramática para ensinar aos principiantes e fá-lo-ia. Assim eles vinham até aqui e depois iam às aldeias nas montanhas pedir comida e as pessoas davam. Sem qualquer problema. Faziam namaskar e davam. Shrada, shradaya deyam, ashradaya deyam. Então, nesta tradição, danam é muito importante – dar sem qualquer lamento, sem quaisquer reservas.
3. Temos visto algumas pessoas ficarem demasiado egocêntricas ao longo da sua vida espiritual. Qual é a importância da solidariedade para aqueles que estão comprometidos com Moksha?
Se não tiveres compaixão, Moskha não existe. Bhutadaya, isto significa que tens de teradvesta sarva bhutanam maitra karunayeva. Tem de haver Karuna – compaixão. Maitra, é aquele que tem amizade, que não tem ódio em relação a ninguém. Advesta sarva butanam maitra karunayeva. Logo, não existe caminho para o crescimento espiritual sem compaixão. Daya é compaixão. Olha para o meu nome – Dayananda. Daya é uma coisa muito importante, é compaixão. Porque valorizam Daya o nome é dado. Não sou o único Dayananda, há muitos. Um deles é um professor, que ficou bem conhecido por ter fundado uma grande organização – Arya Samaj. Ainda hoje sou confundido com essa pessoa. Recebo cartas de recomendação para uma escola, a DAV, que pertence à Arya Samaj. Pensam que sou aquele Dayananda e mandam-me cartas de recomendação, não fazem ideia. Há tantos Dayanandas por aqui que eu pus Saraswati. Saraswati é um título. Não preciso de ter um nome longo, Swami Dayananda Saraswati, no computador o nome nunca aparece na totalidade, escrevem Swami D. Saraswati ou Swami D. Isto é muito comum, há muitos Dayanandas em Rishikesh. Então, o que eu quero dizer é que a palavra Daya é muito valiosa, muito importante – bhutadaya. Karuna é outra palavra importante. Assim, tu cresces enquanto pessoa na direcção de Moksha através de Daya.
4. Como é que as pessoas devem ajudar, local ou globalmente?
Tens de descobrir. Sabes, num país como Portugal existe alguma previdência social, o governo toma conta disso. Logo, individualmente, não é necessária muita ajuda, mas muita gente precisa que ouçam as suas histórias. Assim sendo, podemos ouvi-las, falar com elas, isso é uma grande ajuda. Sem qualquer terapia, deixando-as apenas falar. Não devemos nunca fazer terapia, para fazê-lo temos de ser profissionais e cobrar. Cobrar faz parte da terapia, se é paga a terapia funciona. Se pagarem compreendem que estão perante um profissional e começam a falar, porque estão a pagar (risos). Vão falar e falar e falar, sem parar. Se não pagarem não falam. Neste caso é diferente, apenas oferecemos os nossos ouvidos, isso é uma grande ajuda. Instrução de crianças também é uma boa ajuda. Assim, há sempre trabalho que pode ser feito, toda a gente pode fazer qualquer coisa.
Em Novembro do ano 2000 Swami Dayananda Saraswati fundou o movimento All India Movement (AIM) for Seva, com o objectivo de instituir uma mudança entre a população indiana, incitando-a a cuidar daqueles que mais precisam. A palavra “seva”, significa literalmente servir com respeito, indicando a própria meta desta organização – construir uma sociedade onde as pessoas cuidem umas das outras.
Se estiver interessado em saber mais acerca do AIM for SEVA ou em fazer um donativo visite o site: www.aimforsevaindia.org
Rishikesh – Março de 2009
[1] O Sama Veda é cantado desta forma, a cada passo, a sílaba “au” é repetida.
[2] Respeito, confiança.
[3] Ritual em que é oferecida e servida comida aos sadhus.
[4] Saudação
[5] Estudantes
por casa-ganapati | Mar 9, 2021 | Blog, Destaque
“Fiquei a pensar – o que traz a felicidade a alguém?”
No passado mês de Julho, Glória Arieira, que me atrevo a chamar de voz do Vedanta em português, esteve pela primeira vez em Portugal para um retiro na Quinta das Águias, dedicado ao II capítulo da Bhagavad Gita. Foi com enorme prazer que recebemos esta grande professora e que ouvimos a sua forma apaixonada de ensinar. Durante esta estadia houve ainda tempo e paciência, da parte da Glória, claro está, para responder a esta longa entrevista que agora publicamos.
A Glória despertou para este ensinamento muito cedo, com apenas 19 anos. O que buscava nessa altura?
Com 19 anos eu já tinha morado muito tempo fora do Brasil, nos EUA, onde fui pela primeira vez tinha 6,7 anos. Já tinha passado 3 meses a viajar pela Europa, tinha dinheiro suficiente para fazer o que quisesse e não me faltava nada. No entanto, não conseguia dizer que estava satisfeita. Faltava-me alguma coisa, mas eu nem sabia o que era.
Um dia aconteceu uma situação interessante. Eu tinha 17 anos, estava nos EUA, e encontrei um homem mexicano que veio falar comigo numa loja. Ele dizia ter 3 desejos na vida e que tinha a certeza que se os satisfizesse seria uma pessoa feliz e completa: ele queria, durante a sua vida, morar nos EUA, conhecer o Brasil e ir à Europa. Eu fiquei a pensar: eu nasci no Brasil, estou nos EUA, tenho viagem marcada para a Europa e não me sinto a pessoa mais feliz do mundo. Então, o que traz a felicidade a alguém? Definitivamente, este homem acha que vai ser feliz, mas eu estou numa condição que ele desejaria e não estou feliz! A partir desse momento comecei a pensar: o que faz alguém feliz? Pensei muito sobre qual seria o significado da vida. Para que estamos aqui? Se existe uma razão para esta vida será que estou a perder o meu tempo, ou estou a fazer o que tenho de fazer? Isto marcou o início de uma busca sobre qual o objectivo da vida.
Então, voltei para o Brasil e, prestes a fazer 18 anos, fui para a Europa. O meu pai deu-me uma passagem para a Alemanha, onde tinha primos, e algum dinheiro para eu destinar como quisesse, ou para viajar ou para fazer compras. O que pensei logo foi: tenho de viajar, visitar o máximo de coisas possível e quem sabe numa destas viagens encontro a minha resposta. Viajei muito e foi muito impactante. Fui para Berlim Ocidental e vi as pessoas verdadeiramente felizes, porque viviam o dia presente, sabendo que se houvesse algum problema na Alemnha Oriental elas estavam bem no meio. Viviam também com satisfação, porque o muro não tinha passado no meio das suas casas e tinham ficado do lado livre. Isto para mim foi um ensinamento de vida – viver aquilo que se tem e não projectar o futuro. Estas coisas fizeram-me pensar muito sobre a vida, o objectivo da vida, como aproveitar a vida. Comecei então a procurar essas respostas na filosofia, fazendo diversos estudos, no budismo zen, comecei a praticar yoga, tornei-me vegetariana, fazia meditação e pranayama de manhã cedo no alto da montanha, encontrei uma pessoa que buscava o mesmo que eu e casei-me. Mas tudo o que aconteceram foram experiências, nada mais. Estava realmente desanimada, não sabia mais o que fazer, tentei isolar-me na Patagónia mas nem cheguei até lá, foi então que conheci o Swami Chinmayananda que, numa palestra apenas, falou de tantas coisas que respondiam à minha busca. Ele disse que as pessoas são como flores e que quando verdadeiramente amadurecem abrem-se com toda a sua beleza e perfume, mas que tinham de chegar primeiro a este ponto de amudericmento e de beleza e para lá chegarem precisavam de um jardineiro capaz, de um mestre ou de um professor que as fizesse exteriorizar todo o seu potencial. Foi uma palestra simples mas tocou-me. Foi aí que comecei a interessar-me por este ensinamento e acabei por ir para a Índia, onde conheci o Swami Dayananda. Quando o vi, percebi que não o estava a conhecer pela primeira vez, que já vínhamos de outras datas, vinculei-me a ele e assim estou até agora.
Na primeira aula que fez na Índia com o Swami Dayananda percebeu de imediato que a suas respostas estavam ali?
Quando ouvi a palestra do Swami Chinmayananda no Brasil, vi logo que naquele conhecimento estava a minha resposta e quando conheci o Swami Dayananda vi que ali estava a pessoa com quem ia aprender. Não me lembro especificamente das primeiras aulas, mas lembro-me claramente destes dois momentos – um em que vi o Swami Chinmayananda e percebi que era aquilo e o outro em que vi o Swami Dayananda e soube que ele era a pessoa que me ensinaria.
Como é que a sua família viu a decisão de ficar a estudar na Índia?
Eu já me tinha casado muito cedo, o que na visão deles já tinham sido uma maluquice, ir para a Índia era só uma segunda maluquice. Eu já me tinha casado, já me tinha tornado vegetariana, já praticava yoga, então foi só mais uma coisa. Os meus pais têm uma filosofia de respeito pelos valores e pelas escolhas dos filhos, pelo que foi mais ou menos tranquilo. Depois quando eu estava mesmo a morar na Índia eles foram até lá ver como eu estava e conhecer o ashram. As minhas duas avós é que realmente reagiram. A minha avó materna perguntou porque é que ia para um mosteiro na Índia se existiam mosteiros no Brasil e a minha avó paterna disse que na Índia eu acabaria por me tornar uma escrava branca. Ficaram completamente horrorizadas, mas não tinham como não aceitar.
Como foram esses primeiros tempos de Índia?
O primeiro ano e meio foi muito difícil, porque eu cheguei já o curso ia a meio e não queriam aceitar-me. Como o Swami Chinmayananda insistiu eu fiquei. Tive algumas dificuldades com umas americanas que estavam lá a estudar e entendi muito pouco porque as aulas já estavam muito avançadas. Foi muito difícil.
Alguma vez pensou em desistir e voltar para o Brasil?
Não, nunca pensei nisso. Apesar das dificuldades eu queria ficar e prometi fazer o que fosse preciso para isso. Quando o curso acabou pedi ao Swamiji para me deixar ficar, ele não queria deixar porque a toda a gente queria o mesmo. Então ele propôs-me conhecer a Índia, fez uns contactos com conhecidos, arranjou-nos um condutor, um carro e casas de famílias que nos receberam, isto durante 10 meses. Durante esse tempo acompanhámos também o Swamiji até aos locais onde ele ia fazer palestras às quais assistíamos. Foi assim que tive a oportunidade de conhceer as pessoas, a cultura e o modo de vida indiano.
A via da renúncia foi alguma vez uma hipótese para si?
Não, nunca pensei em renúncia. Os renunciantes nunca me encantaram. Sempre dei valor a uma vida simples e tranquila, mas eu também vivia isso, pelo que nunca tive esse desejo.
De que forma é que esta tradição afectou o seu estilo de vida?
Depois dos 10 meses em que viajei com o Swamiji iniciei o outro curso, que já foi bem mais fácil, de uma forma geral. Comecei desde o início, aprendi muito canto védico de que eu gosto muito e a minha vida era aquela vida do ashram. Dormíamos em quartos individuais, estudávamos sânscrito e Vedanta. Neste segundo curso estabeleci um estilo de vida que mantive mesmo depois de regressar ao Brasil. Acordava cedo, tomava banho, fazia meditação e a minha vida inteira foi como a vida do ashram. Mesmo casada e com filhos nunca deixei de fazer estas coisas – acordar cedo, fazer meditação, fazer cânticos, estudar, dar aulas. A minha vida inteira tem sido assim.
Na sua opinião é possível viver de acordo com este ensinamento durante toda a vida sem a sua parte, digamos, mais religiosa e ritualística?
Não é obrigatório juntar as duas coisas, mas à medida que vamos tendo uma apreciação de Ísvara, a relação com ele, de forma devocional digamos assim, torna-se uma coisa natural. Eu identifiquei-me com o aspecto religioso do hinduísamo que está nos Vedas. Quando parti para a Índia nunca pensei em hinduísmo, na verdade, nunca pensei em religião. Para mim era um conhecimento, uma filosofia, mas à medida que fui descobrindo Ísvara fui-me identificando com isso. Não é necessária a parte religiosa, mas alguma relação com Ísvara é importante, na forma de japa, por exemplo, isso é importante.
Quanto deste ensinamento se refletiu na educação que passou para os seus filhos?
Bem, na sequência da resposta anterior, a parte religiosa não é importante no sentido formal de seguir o hinduísmo, mas é importante ter um conceito de Deus, uma relação com Deus. Então eu pensei que não ia formalmente impor a religião hindu aos meus filhos, mas eles sempre me viram fazer puja, cânticos, bhajans e festividades no meu centro de estudos. Eles iam e participavam. Dentro de casa não se comia carne, tiravam-se os sapatos, sempre recebíamos Swamis, eles foram pequenos para o ashram do Swamiji nos EUA para participarem de um programa para crianças, ensinei-os a fazer japa… Os meus filhos tiveram uma exposição a isto, mas deixei que fossem eles a escolher. Fiz um ritual de conversão para o hinduísmo e a minha filha também quis fazer, mas os meus outros dois filhos não, por exemplo.
Chegou a levá-los para a Índia alguma vez?
Há dois anos atrás o meu filho mais velho foi comigo. Eu queria que ele fosse comigo a um templo de Venkatesha no sul da Índia. Foi um templo ao qual eu queria ter ido desde que ouvi falar dele mas nunca tinha conseguido ir. Ele adorou. Até porque, como ele diz, sempre teve uma exposição à vida indiana, aos indianos, aos Swamis que eram os meus amigos, então conhecer tudo aquilo foi importante para ele.
Quando regressou ao Brasil depois da Índia começou logo a ensinar?
Voltei da Índia, tal como fui, de barco. Era um navio cargueiro que saía do Japão, e só cheguei ao Brasil em Setembro. Em Dezembro o Swamiji iria lá então só tivémos aqueles meses para organizar a vinda dele. Ele veio e ficou cerca de 15 dias. No final da palestra ele anunciou que em Janeiro começariam as minhas aulas, então não tive escolha e comecei (risos). Comecei a dar aulas em escolas de yoga à noite e depois em casa. Na primeira aula acho que tive uns 6 alunos (risos).
Sempre soube que ensinaria?
Quando fui para a Índia não tinha pensado nisso de maneira nenhuma, fui por mim. Mas desde cedo percebi que tinha um jeito para ensinar, desde nova tinha muita facilidade para alfabetizar adultos. Enquanto estava no ashram, durante o segundo curso, o Swamiji pediu-me também para ajudar umas pessoas que não estavam a compreender as aulas, então depois da aula dele eu dava a mesma aula para essas pessoas. Tudo começou ali mesmo, eu nem sabia se estava a ensinar bem… Mas até hoje uma dessas senhoras que eu ensinava, do Canadá, manda-me todos os anos um cartão de Natal, agradecendo e dizendo que as notas que tirou na minha aula a acompanham até hoje e que por causa delas dá aulas ainda hoje. Mas quando cheguei ao Brasil tive muitas dificuldades porque tinha aprendido tudo em inglês, tinha 25 anos dos quais mais de 9 tinham sido fora do Brasil, então não conseguia ensinar em português e tive muita dificuldade. Depois fui traduzinho os termos todos para português e fui traduzindo palestras do Swamiji para escolher os termos em português. Muitos dos termos que uso hoje nas aulas parei e pensei bem sobre eles.
Como é manter uma vida simples e uma paz interior numa cidade como o Rio de Janeiro?
Para mim não é difícil. Eu poderia viver em qualquer lugar, mas uma vez que falo português acho que a minha obrigação é estar aqui e ensinar em português as pessoas que, como eu, querem aprender. Ficar na Índia teria sido fácil de mais para mim. Continuar a levar aquela vida simples no ashram, estudar, isso não era o desafio. O desafio era voltar e começar a ensinar, podia até nem ter dado certo mas eu tinha de tentar.
por casa-ganapati | Mar 8, 2021 | Blog, Destaque
Nos dias 11 e 12 de Outubro, Swami Dayananda Saraswati veio encher de luz a Quinta das Águias e o coração de quem teve a oportunidade de o conhecer. Durante dois dias, Swamiji partilhou a sua visão clara sobre o ensinamento e ainda respondeu a algumas perguntas que lhe colocámos.
- Como e quando entendeu que podia conseguir Moskha através do estudo das Escrituras?
Primeiro entendemos que existe Moksha, para ser conquistada aqui, nesta vida. Depois entedemos que Moksha é uma compreensão. O que é o quê, a realidade? Esta realidade é o que é discutido por estes livros, que chamamos as escrituras, os livros espirituais, os livros de origem, os Vedas, as Upanishads. Chamamos-lhe Vedanta. E depois existem os livros de suporte, como a Gita e os demais.
Hoje em dia, as pessoas apresentam-no como um conhecimento intelectual, um conhecimento indirecto, que temos de fazer directo através da meditação, etc… Isso é o que ouvimos habitualmente.
Então, quando vamos mais fundo na questão percebemos que não existe conhecimento indirecto, porque estamos a falar de nós mesmos. Eu não sou conhecimento indirecto. Eu sou uma pessoa auto-evidente, por isso o conhecimento tem de ser directo, não pode ser indirecto. Se é assim, o professor também tem de ter presente esse conhecimento directo. Isso levou-me algum tempo a perceber, porque eu percebia a insuficência nas escrituras. A forma como é apresentada é insuficiente, eu percebi-a como sendo insuficiente. Então tive um professor e, ao ouvi-lo, percebi que o método de ensino é tão importante quanto o ensinamento em si. É um método de ensino, e o método é de tal forma que as palavras têm de ser usadas para fazer-te ver quem tu és. É, por isso, um tipo diferente de ensinamento e perceber isso levou algum tempo…
2. Quando é que decidiu renunciar a tudo para se tornar um sannyasi? Que idade tinha nessa altura?
Tinha 32. Comecei a levar isto muito a sério em 1952 e em 57 desisti do meu trabalho, tinha apenas 27 anos. Era jornalista e o meu jornalismo foi útil porque quando me juntei ao meu professor original, ele tinha uma organização, que editava uma revista e livros e eu comecei a editá-los. Portanto, foi útil e as minhas habilidades também foram úteis. No processo aprendi muito e cresci. Depois percebi as limitações no ensinamento e tive de procurar uma solução, de novo procurar, é assim que é…
3.Qual é a sua opinião sobre Hatha Yoga, a prática de asana, pranayama e meditação?
Hatha yoga é asana e pranayama. No Hatha Yoga explicam-se quais são os asanas. O yoga de Patanjali não explica qualquer asana. Só o Hatha Yoga explica os asanas. O livro Hatha Yoga Pradípika explica tudo isso. O que é swastikasana, o que é sidhasana, o que é sarvangasana, o que é shirshasana. Encontramos nesses textos todos eles explicados. Os asanas são muito bons, porque nos ajudam a descobrir o amor-próprio. No princípio começamos a cuidar do corpo, na aeróbica também se cuida do corpo, mas o objectivo é tentar queimar calorias. Na aeróbica, com o seu 1,2,3,4, durante uma hora só se queima peso do corpo, só se quer queimar esse peso extra.
Aqui, no Hatha Yoga, come-se apropriadamente, não se come demais. Mantém-se o corpo saudável, e para isso servem os asanas. Não é sequer exercício. É um método de se manter saudável, assim como o pranayama. É possível curar muitas doenças através do pranayama. Por isso, asana e pranayama são óptimos.
Como eles próprios ensinam, a meditação é importante. É muito importante porque te ajuda a ser tu mesmo e ajuda-te a descobrir a tua conexão com o todo, se for adequada. Meditação é uma palavra genérica. O que se faz na meditação é muito importante, por isso a meditação clássica é algo que te conecta com Íshvara, isso é muito, muito importante.
E assim, tudo isto é útil para entender o que o ensinamento é. Repara que existem dois níveis. Tenho de olhar para mim mesmo e perceber que sou o todo. Não é fácil, sabes? É uma reorientação. A orientação é que sou insignificante e a reorientação é que sou o único significante, nada é mais significante. A tudo o resto empresto vida, a tudo o resto empresto realidade, então é uma coisa muito especial e isso requer preparação. E a preparação é asana, pranayama, dharana, dhyana, todos estes são úteis.
4. Li um comentário seu numa entrevista que deu ao Andrew Cohen* em que dizia o seguinte: “não há nada neste mundo mais tolo do que a experiência. De facto, foi a experiência que nos destruiu”. Pode explicar esta frase?
É verdade. Foi o que eu disse. Isso foi a única coisa que ele transcreveu tal qual aconteceu, depois disso já não.
Percebeste o que eu disse? Ele não. Uma experiência nunca nos vai relevar o que é, toda a experiência que temos é Brahman, é o ilimitado Brahman. Uma vez que dizemos que Brahman é eterno, ele não se pode esconder do tempo e Brahman é tudo, pelo que não nos pode manter afastados dele, nem tão pouco podemos afastarmo-nos dele. Então tudo o que é, é Brahman em qualquer experiência, seja triste ou abençoada, tudo é Brahman. Se tudo é Brahman temos de o saber.
A experiência é Brahman, a consciência é Brahman, toda a experiência é consciência e ela é Brahman, e porque é que não o sabemos? Se a experiência pudesse dizer-mo, eu deveria ser iluminado. Ele não entendeu isto! Eu também lhe disse isto, mas ele não percebeu. Ele tem um paradigma, e ele quer experimentar. A experiência de Brahman não é alguma coisa do coração. Todos eles pensam que é alguma coisa no coração que temos de experimentar e da qual depois temos de sair. No calor da meditação tu vais experimentar Brahman, (risos), como se fosse queijo derretido. Imagina que fazes uma tosta de queijo e no meio das duas fatias de pão pões uma camada de queijo. Então, quando pões a tostar, o queijo começa a derreter e a transbordar, consegues ver o queijo a sair por todos os lados. Isto é exactamente o que acontece no calor da meditação, atman derrete-se, transborda e é o êxtase! (risos)… Paradigma. Ele não entendeu nada disto, e naquilo que escreveu ridicularizou tudo. Ele não teve o cuidado de confirmar se tinha ou não entendido. Ele tinha de ter confirmado. É um tema que pede uma escrita responsável e ele escreveu de forma irresponsável.
5. Como podemos entender a não-dualidade (advaita) e, ao mesmo tempo, sermos capazes de criar um distanciamento (uma não-identificação) entre nós mesmos e as nossas emoções?
Não precisamos criar um distanciamento. Uma coisa é satyam e a outra é mithya. Quando a não-dualidade é entendida, aquilo que é auto-evidente é não-dual. Tudo o resto é mithya, logo é não-dual. Se existem cem jarros mas compreendemos que só há barro, isto é não-dual. Há apenas um barro em relação aos jarros. Cem jarros e um barro. Contamos barro, há apenas um barro. Então um barro e cem jarros é o quê? Não-dual, não há soma. Se um jarro entendeu que é barro, então é livre. O jarro é mithyam, é aparente.
Então, se analisarmos, mesmo no nível de Íshvara, se Íshvara é tudo na forma de ordem, então as emoções também estão na forma de ordem e eu posso ter emoções, eu dou as boas-vindas às emoções. Vou até ao nível de Íshvara e vejo-as como ordem, logo são aceitáveis. A distância parece muito simples. Por isso eu disse que o devoto é aquele que descobre a relação entre ele, o indivíduo, e o todo, aí ele torna-se um devoto. E este devoto desempenha o papel de filha, de irmão, de irmã,… O papel de devoto está lá em todos os papéis, e existe uma distância entre os papéis e o devoto. O papel é o devoto, o devoto não é o papel. Esta é a distância. B é A, A não é B.
6. Como devemos lidar com as nossas emoções?
Sabes, como disse, lidamos com as nossas emoções como sendo válidas. Lidamos com todas as emoções objectivamente. São todas emoções válidas. Qualquer emoção é válida. Está ali, porque tem de estar ali. Existe uma razão para isso. Assim, não te julgas baseado nas tuas emoções, não fazes qualquer julgamento. Estas emoções são reais, elas têm um passado, uma relação causa-efeito e, por isso, aceitas as emoções e fazes aparecer Íshvara. Assim, recebes melhor a Ordem que é Íshvara. A única coisa que tens de dizer é que é a ordem de Íshvara. As emoções estão aí por causa da ordem que é Íshvara. Acolhes as emoções mas nunca vitimizas quem quer que seja. Na raiva, em qualquer emoção, ninguém é tua vítima, nem tu és a vítima. Assimilas isso, se não o fazes tornas-te vítima. Assimilas e então existe um processo. O primeiro é chamado dama e o segundo shama. Dama é não vitimizar e shama é o processo que acontece assimilando, escrevendo, falando com alguém. Escrever é melhor, porque se falas tens de ser cuidadoso com as palavras. Escrever é melhor porque podes dizer o que quiseres, em verdadeiro português. Escreves, escreves, escreves, e depois destróis. Algumas pessoas guardam, guardam como se fosse uma escritura. A destruição faz parte do processo, tens de destruir. Isto é um processo.
7.O que é conhecimento revelado – a origem dos Vedas? Revelado como, por quem, quando?
Conhecimento revelado é epistemológico. É uma questão de pramana. Os meios de conhecimento que temos não objectificam, nem têm acesso a determinadas coisas, como por exemplo, punya e adrishta. Punya é o resultado de um bom karma, uma oração, um grande ritual ou caridade. Tudo isto trás punya. Bom, nós não vemos punya, vemos apenas o resultado de punya. Este resultado é estar no lugar certo à hora certa. Esse é o resultado de punya, e estar no sítio certo à hora errada é o resultado de papa. Imagina que estamos na estrada, que é o sítio certo para estar. O teu carro segue na estrada, no sítio certo, mas à hora errada, porque queres ocupar um lugar e outra pessoa quer ocupar o mesmo lugar, ao mesmo tempo. Então tens um acidente, o que está fora do teu controlo. Isso é papa, o resultado de papa. Papa não é pecado, papa é apenas papa. Não existe palavra em inglês [nem tão pouco em português]. Para punya também não existe palavra equivalente. Punya e papa têm de ser conhecidos por outro meio de conhecimento, e se ele existe, é o que chamamos conhecimento revelado. Isso está nos Vedas.
De forma semelhante, Atman é Brahman, a causa do mundo, Íshvara, é impossível conhecer. Porquê? Porque não está ao alcance da percepção ou inferência, tem que nos ser dito. Uma vez que nos é dito, e que está correcto, podemos remover completamente todas as objecções. O resultado é conhecimento, mas tem de ser ensinado. Aquele que conhece não pode conhecer a verdade de si mesmo, porque o conhecedor tem apenas os sentidos e a informação que chega através deles é baseada na inferência. Assim, o conhecedor pode objectivar e conhecer, por isso o que é objectivado, o que é o conhecedor e o conteúdo de ambos, é um Brahman. E como sabe ele isso? Tem de lhe ser dito.
Isto vem sendo transmitido. De quem veio primeiro, alguém o deve ter dito. Existe apenas Íshvara. Íshvara manifestou tudo e o seu conhecimento veio com isso. Em todas as culturas existem afirmações como tu és tudo, tu és o todo, tu és Íshvara. Isso é Vedanta, não precisa de ser em sânscrito. Em todas as culturas isso esteve presente. Esse é conhecimento comummente disponível, mas na índia temos uma tradição de ensino, não apenas uma afirmação, um ensinamento, mas um método de ensino. Que és o todo está em todas as escrituras e mesmo fora das escrituras estas afirmações também existem. Mesmo pessoas iliteradas produziram essas afirmações. Místicos tiveram essas experiências, pessoas literadas revelaram-nas, mas ninguém sabe o que é. Têm insights, porque o todo é percebido mas não existe método de ensino.
Este é um conhecimento revelado, revelado aos Rshis, de quem não sabemos a idade, nem o momento em que foi revelado. Revelado aos Rshis que por sua vez revelaram a outros e assim tem vindo a ser passado. Funciona, e isso é que é importante.
8. Há quem diga que “ que para nos conhecermos não é necessária qualquer aprendizagem ou conhecimento das escrituras, uma vez que nenhum homem precisa de um espelho para se ver”. Como comenta esta afirmação?
De facto, nenhum homem consegue ver a sua pópria face sem um espelho, correcto? Suponhamos que os olhos se querem ver a eles próprios, não conseguem, os olhos não se conseguem ver, precisam de um espelho. No espelho eu vejo os meus olhos. Eu vejo os meus próprios olhos através do espelho. Quando olho para um espelho o meu compromisso não é olhar para o espelho, mas olhar para mim mesmo. Na verdade, o espelho são os meus olhos. Eu vejo-me, vejo a minha cara no espelho, mas não existe qualquer dúvidade de que eu sou. Perceber isso não requer qualquer espelho ou meio de conhecimento. Eu sou. Toda a gente sabe isto. Eu sou auto-evidente. Existes ou não? Tens de responder “sim, eu sou, eu existo”. Não precisas de consultar, não precisas de ver, não precisas de ouvir, porque estás ali tu vês, ouves e por isso não precisas de nada.
Mas quem és tu? Essa é a questão. Tu és auto-evidente, mas quem és tu? Aí começam todos os problemas. Eu sou assim,sou assado, sou isto, sou aquilo, esta é a pessoa… Quem és tu? Eu sou tanto quanto este complexo corpo-mente-intelecto. E então alguém diz, “não, eu sou diferente de tudo isto”. Como é que sabes? Porque olho para todos eles. Mas então quem és tu? Ainda, quem és tu? E o que é este complexo corpo-mente-intelecto?Isto é dualidade, duas coisas diferentes. Então jagat, o mundo está aí, e a causa do mundo, Íshvaraestá aí, como vais saber isso? Para isso serve o espelho. Até para veres a tua própria cara precisas de um espelho. Para veres a realidade de ti mesmo também precisas de um espelho de palavras. É um espelho. Estás a olhar para ti próprio. É um espelho de palavras. Sabes, há frases como “para olhares para ti próprio não precisas de um espelho”… Tu precisas de um espelho, de ambos. Para olhar para a tua cara precisas de um espelho. Nem sequer consegues olhar para as tuas orelhas, nariz, bochechas, testa, cabelo… não consegues olhar para nada. Os olhos não estão posicionados para isso. Para isso há um espelho que é fornecido, para veres o espelho e veres além. Então precisas de um espelho, não só para te ver, mas para ver quem és. Para saber que sou não preciso de um espelho, mas para saber o que sou preciso de muitos espelhos. Yeah! (risos)
9. Se existe uma ordem universal, e se esta ordem é perfeita, apesar do modo como agimos no mundo, porque devemos agir de acordo com o dharma?
Porque dharma é a ordem, porque dharma é Íshvara e se eu vou contra a ordem existe uma pressão, raga-dvesha, a pressão está lá e eu cedo a essa pressão. Mas também me é dada pela ordem a capacidade de contrariar essa pressão, porque a pressão é falsa. O dharma é real, a pressão só lá está devido à minha falta de compreensão das prioridades. Se as prioridades estão claras, e para isso eu tenho budhi ( o meu intelecto) – para perceber quais são as prioridades – então posso ter/ser um sistema de suporte. Posso ir contra a pressão, conformar-me com o dharma e evitar o conflito. Quando vais contra o dharma estás sujeito ao conflito e à culpa, não podes evitá-lo, porque é a ordem. E ninguém quer sentir culpa, logo, para se livrar da culpa, para ter a satisfação de ser eu próprio, para estar alinhado com Íshvara, tenho de me conformar ao dharma. No início com algum sistema de suporte escondo-me da pressão. Depois, com mais compreensão torna-se mais fácil. Com maior compreensão as minhas prioridades mudam, é muito, muito fácil. Suponhamos que até existe alguma pressão devido a uma velha orientação, posso livrar-me disso “fingindo e fazendo”. Ao fingir como se “dharmico” eu fosse, ajo, e então “dharmico” me torno. É como nadar. Nadando, eu aprendo a nadar. Não há outra forma. Tens de nadar para a aprender a nadar, e tens de agir de acordo com o dharma para te tornares “dharmico”.